Conforme aprovado pela Câmara dos Deputados, o dinheiro deixado pelos brasileiros em contas bancárias, estimado em cerca de R$ 8,5 bilhões, será incorporado ao Tesouro Nacional caso os titulares não o resgatem dentro de um prazo de 30 dias após a publicação da lei. Essa medida faz parte do projeto de reoneração gradual da folha de pagamentos de 17 setores da economia e municípios de pequeno e médio porte, que visa encontrar meios de financiar a manutenção da desoneração até 2027.
Detalhes da legislação
Prazos e procedimentos
De acordo com o texto aprovado, os cidadãos terão um período de 30 dias após a promulgação da lei para retirar quaisquer valores esquecidos em suas contas bancárias. Caso esse prazo seja ultrapassado, os valores poderão ser incorporados pelo Tesouro. No entanto, os titulares terão outra janela de 30 dias para contestar a apropriação desses recursos pelo governo.
Após a incorporação, o Ministério da Fazenda deverá publicar no Diário Oficial da União um edital detalhando os valores recolhidos, bem como as informações bancárias correspondentes. Os interessados terão então 30 dias, a partir da data de publicação, para apresentar recursos contra a apropriação.
- Caso a contestação inicial seja indeferida, cabe recurso ao Conselho Monetário Nacional (CMN) no prazo de dez dias.
- Além disso, os titulares terão seis meses para ingressar com ações judiciais visando reverter a apropriação, contados a partir da publicação no Diário Oficial ou da comunicação de indeferimento do recurso.
Prorrogação para reclamação
O projeto também estabelece que os titulares das contas poderão reclamar os recursos junto aos bancos até 31 de dezembro de 2027, concedendo um período adicional para a recuperação dos valores.
Transferência de depósitos judiciais
Além dos recursos esquecidos em contas bancárias, o texto aprovado determina o repasse ao governo de valores abandonados em contas judiciais, bem como a transferência de depósitos judiciais retidos indevidamente pela Caixa Econômica Federal.
Outras medidas previstas
O projeto inclui outras iniciativas, como:
- Atualização do valor dos bens imóveis na receita Federal
- Ações para combater fraudes e abusos nos gastos públicos
Exceção para cumprimento da meta fiscal
Uma exceção notável no texto aprovado permite que o valor dos depósitos esquecidos seja utilizado para o cumprimento da meta fiscal de déficit zero neste ano. Essa disposição contraria a orientação do Banco Central, que havia defendido a rejeição desse trecho, argumentando que tais valores não podem ser registrados como receita primária, de acordo com a metodologia da instituição.
Reações e debates
Defesa pelos deputados governistas
A apropriação dos recursos esquecidos foi defendida pelos deputados alinhados ao governo, com o argumento de que, se os valores permanecerem parados nos bancos, não haveria necessidade de onerar outros setores para compensar a desoneração.
“Se durante muitos anos a pessoa não movimentou, o dinheiro fica no banco, e o banco está ganhando. Nesse caso, qual foi a discussão feita aqui: teria então uma desoneração a menos, ou um outro tributo. Mas, se esse dinheiro que está parado no banco vem ao Tesouro, não precisa onerar outros setores.” – Deputado Bohn Gass (PT-RS)
“Foi uma solicitação do BC, o Roberto Campos Neto que é tão elogiado por vocês, foi considerado o melhor presidente do BC do mundo, essa foi uma negociação do ministro Fernando Haddad com ele. A redação final é a consolidação do debate que tivemos. Redação final é redação final, não tem que ficar questionando.” – Deputado José Guimarães (PT-CE)
Críticas da oposição
Por outro lado, a oposição atacou veementemente o trecho sobre os valores esquecidos, alegando que constitui um confisco indevido do patrimônio dos cidadãos, proibido pela Constituição Federal.
“Se a pessoa não reclama o valor esquecido em até dois anos, ele entra para o patrimônio público. Isso é confisco, que é proibido pela Constituição Federal, isso é gravíssimo. Se o beneficiário tiver dificuldade em acessar o sistema, uma pessoa, idosa, doente, fora do país, cujo advogado abandonou a causa, essa pessoa vai sofrer um dano irreparável.” – Deputada Bia Kicis (PL-DF)
“É um confisco do patrimônio do cidadão que, por algum motivo, ainda não foi reclamar aquele dinheiro que está no banco.” – Deputada Rosangela Moro (União-SP)
“Obviamente, o governo vive no déficit, precisa zerar a meta fiscal e colocar dinheiro ali como se fosse receita primária. A gente sabe que não é receita primária. É muito triste o que está acontecendo, estão metendo a mão no nosso dinheiro.” – Deputada Adriana Ventura (Novo-SP)
Como verificar valores esquecidos
Sistema de valores a receber
O Banco Central disponibiliza um Sistema de Valores a Receber, que permite que pessoas físicas e jurídicas verifiquem se possuem recursos esquecidos em instituições financeiras, consórcios ou outras entidades do sistema financeiro. Também é possível consultar valores relativos a pessoas falecidas.
A consulta pode ser realizada online, bastando acessar o site oficial do sistema, informar o CPF e a data de nascimento, e clicar em “consultar”. Para solicitar o resgate dos valores encontrados, é necessário acessar o sistema por meio de uma conta gov.br.
Entendendo a desoneração da folha
Aprovação no senado
O projeto que trata do fim da desoneração da folha de pagamentos foi aprovado no Senado Federal em 20 de agosto. A proposta mantém a desoneração integralmente em 2024 e prevê a reoneração gradual entre 2025 e 2027, conforme apresentado pelo líder do governo no Senado, Jacques Wagner (PT-BA).
Cronograma de reoneração
A tributação será reinstituída de maneira gradual:
- 2025: Alíquota de 5%
- 2026: Alíquota de 10%
- 2027: Alíquota de 20%, encerrando a desoneração
Durante o período de transição, o 13º salário continuará isento da contribuição previdenciária.
Municípios de pequeno e médio porte
Nos municípios com até 156 mil habitantes, a retomada da contribuição previdenciária será feita de forma gradual:
- Até o fim de 2023: 8%
- 2024: 12%
- 2026: 16%
- 2027: 20%
Retrospectiva e contexto histórico
Veto Presidencial e Derrubada pelo Congresso
No ano passado, o Congresso Nacional aprovou a continuidade da desoneração da folha de pagamentos. No entanto, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva vetou trechos da Lei 14.784/2023. O Congresso derrubou o veto, e o governo recorreu ao Supremo Tribunal Federal (STF), que concedeu um prazo até 11 de setembro para que o Executivo e o Legislativo chegassem a um acordo sobre a desoneração.
Instituição da desoneração
A desoneração da folha de pagamentos foi instituída em 2011 para os setores com maior utilização de mão de obra. Em vez de pagar a contribuição previdenciária patronal de 20% sobre a folha de salários, as empresas desses setores passaram a recolher alíquotas que variam de 1% a 4,5% sobre a receita bruta, o que resultou em uma arrecadação reduzida para a Previdência Social.
Com a aprovação deste projeto, o governo busca equilibrar as contas públicas e manter a desoneração até 2027, aproveitando os recursos esquecidos em contas bancárias como uma fonte adicional de receita. No entanto, a medida continua gerando debates sobre sua legalidade e impactos para os cidadãos.